"A personalidade construída sobre o crepitar das ondas"



Resenha • "A personalidade construída sobre o crepitar das ondas". Nunca desista de seus sonhos. Augusto Cury •

Augusto Cury é psiquiatra, professor e escritor brasileiro. Autor da Teoria Multifocal, que analisa o processo de construção dos pensamentos. Seus livros foram publicados em mais de 70 países, com mais de 15 milhões de livros vendidos.

Alguns meninos cresceram correndo pela areia. Seus avós tinham sido pescadores, seus pais foram pescadores e eles eram pescadores. A história deles estava cristalizada. Todos os dias enfrentavam a mesma rotina e os mesmos obstáculos. Queriam mudar de vida. Mas faltava-lhes coragem. O medo do desconhecido os bloqueava.

Na mente desses jovens não devia passar inquietações sobre os mistérios da vida. A falta de cultura e a maneira pela sobrevivência não o estimulavam a grandes voos intelectuais. Nada parecia mudar-lhes o destino, até que surgiu no caminho deles o maior vendedor de sonhos de todos os tempos.

A vida sem sonhos é como um céu sem estrelas. Alguns sonham em ter filhos, outros sonham em ser cientistas, em ser úteis socialmente, em aliviar a dor das pessoas.

O Mestre dos Mestres discursava sobre os mais belos sonhos. Seus sonhos mexiam com os desejos fundamentais do ser humano. Eles tocavam o inconsciente coletivo e traziam dignidade à existência.

As pessoas que o ouviam ficavam perplexas. Elas deviam se perguntar: "Quem é esse homem? Que reino justo é esse que ele proclama? Conhecemos os reinos terrenos que nos exploram e nos discriminam, mas nunca ouvimos falar de um reino dos céus. " Ele proclamava com ousadia: "Arrependei-vos porque está próximo o reino dos céus." A palavra arrepender explorava uma importante função da inteligência. Ela não significava culpa, autopunição ou lamentação. No grego ela significa uma mudança de rota, revisão de vida.

Ele queria que as pessoas repensassem seus caminhos, revisassem seus conceitos, retirassem o gesso de suas mentes. Os que são incapazes de se repensar serão sempre vítimas e não autores de sua história.

O Mestre dos Mestres discursava sobre um reino que estava além dos limites tempo-espaço. Um reino onde habitava a justiça, onde não havia classes sociais, não existia discriminação. Uma esfera onde a paz envolveria o território das emoções, e as angústias e aflições humanas não seriam sequer recordadas. Não era esse um grandioso sonho?

Os tempos de Jesus eram uma época de terror. Tibério César, o imperador romano, dominava o mundo com mão de ferro. Para financiar a pesada máquina administrativa de Roma, pesados impostos eram cobrados. A fome fazia parte do cotidiano. Não se podia questionar. Todo motim era revelado com massacres.

O momento político recomendava discrição e silêncio. Mas nada calava a fascinante voz do Mestre.

Jesus falava sobre a falta de liberdade interior, que é mais grave e sutil que a exterior. Vivemos em sociedades democráticas, falamos tanto de liberdade, mas frequentemente ela está longe do território da psique.

Jesus discorria sobre uma liberdade poética. A liberdade de escolha, de construir caminhos, de seguir a própria consciência. Discursava sobre o exercício da humildade, a capacidade de perdoar, a sabedoria de expor e não impor as ideias, a experiência do amor pleno pelo ser humano e por Deus.

O Mestre da vida vivia o que discursava.
Para perplexidade da medicina, ele dizia que pisava  nesta Terra para trazer esperança ao mortal. A morte não destruiria a colcha de retalhos da memória. O ser humano sobreviveria e resgataria sua identidade. Retomaria a sua consciência.

Jesus disse: "Quem tem sede venha a mim e beba..." Ele discorreu sobre a angústia existencial que cala fundo em todo ser humano, dos ricos aos miseráveis, e vendeu o sonho do prazer pleno, do mais alto sentido da vida.

Ele bradou que quem tivesse sede emocional bebesse da sua felicidade, quem fosse ansioso bebesse da sua paz. Jamais alguém fez esse convite em toda a história. Nunca alguém foi tão feliz na terra de infelizes.

A morte o rondava, mas ele homenageava a vida. O medo o cercava, mas ele bebia da fonte da tranquilidade.

O Mestre dos Mestres tinha de revolucionar a personalidade do seu pequeno grupo para que os discípulos revolucionassem o mundo.

Parecia loucura o projeto de Jesus. Era quase impossível atuar na mente dos discípulos e transformar as matrizes conscientes e inconscientes da memória para tecer novas características de personalidade neles.

Deletar a memória é uma tarefa fácil nos computadores. No homem, ela é impossível. Todas as misérias, conflitos e traumas emocionais que estão arquivados não podem ser destruídos, a não ser que haja um trauma cerebral. A única possibilidade é sobrepor você e experiências no lócus das antigas - o que chamamos de reedição - ou, então, construir janelas paralelas que se abrem simultaneamente às doentias.

Se você tiver uma janela paralela que contém segurança, ousadia, determinação e que se abre simultaneamente às janelas do medo, do pânico, da ansiedade, você terá subsídios  para superar sua crise. Se não possui esta janela, terá grande chance de se tornar uma vítima.

Os discípulos tinham milhares de janelas doentias. Eles frustraram seu Mestre continuamente durante mais de três anos. Jesus pacientemente os treinava.

O Mestre dos Mestres demonstrava que detinha o mais elevado conhecimento de psicologia. Conhecia o processo de transformação da personalidade. Nunca fez um milagre na personalidade humana, pois sabia que ela é um campo de reedição difícil de ser operacionalizado.

Ele criou conscientemente ambientes pedagógicos nas praias, nos montes e nas sinagogas para produzir ricas experiências que pudessem se sobrepor às zonas doentias do inconsciente dos discípulos. Creio que ele realizou o maior treinamento da personalidade de todos os tempos.

Jesus Cristo programou, como um microcirurgião que disseca pequenos vasos e nervos, situações e ambientes para treinar e transformar os discípulos. Cada parábola, cada gesto diante dos marginalizados que o procuravam e cada atitude perante uma situação de perseguição eram laboratórios onde se realizava esse treinamento.

Ele provou que em qualquer época da vida podemos mudar os pilares centrais que estruturam a nossa personalidade. Seus laboratórios eram uma universidade viva. Seu objetivo era expor as mazelas do inconsciente. As fragilidades apareciam, as ambições afloravam, a arrogância vinha à tona, a insesatez surgia.

Seus laboratórios aceleravam o processo de tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico.

Todos os seus comportamentos tinham um alvo imperceptível. Quando era gentil com uma prostituta, tratava o preconceito dos discípulos. Quando era ousado em situações de risco, tratava a insegurança deles.

A última ceia foi o maior laboratório de tratamento psíquico e enriquecimento da arte de pensar de que se tem a notícia.

Analisando uma das mais belas passagens da vida de Jesus ...
Horas antes de ser preso, Jesus teve na última ceia um conjunto de atitudes capazes de deixar perplexa a psiquiatria e a psicologia. Como estava para morrer, Ele teria que ensinar rapidamente as suas maiores lições.

Então, sem dizer qualquer palavra, o Mestre pegou uma bacia de água e uma toalha e começou a lavar os pés dos discípulos que lhe deram tanta dor de cabeça.

Jesus estava no auge da fama. Multidões queriam vê-lo. Os discípulos o colocavam num patamar infinitamente mais alto do que o do imperador, mas Ele abdicou dessa posição e começou a extinguir a sujeira dos seus pés. Eles ficaram paralisados, chocados, arrepiados. Eles se entreolharam com um nó na garganta. Não sabiam o que dizer.

Enquanto as gotas de água escorriam por seus pés, um rio emocional percorria os bastidores da mente deles, irrigando os becos da inteligência. O Mestre dos Mestres conquistava o inconquistável: penetrava nos solos inconscientes, reescrevendo as janelas da intolerância, da disputa predatória, da inveja, do ciúme, da vaidade.

O Mestre da vida foi fiel às suas palavras, viveu o que discursou. 

Esta Terra produziu mentes brilhantes, mas nunca ninguém foi tão longe como Jesus Cristo.

Ele disse que no seu reino as relações seriam completamente diferentes das que existem na sociedade.

Para ele, somente aquele que abdica da autoridade é digno dela. Qualquer líder espiritual, político, social, que deseja que as pessoas gravitem em torno de si não é digno de ser um líder. Os que usam o poder e o dinheiro para controlar os outros estão despreparados para possuí-los.

O Mestre da vida foi fiel às suas palavras, viveu o que discursou. Deu mais importância aos outros do que a si mesmo, inclusive diante da morte.

Jesus Cristo investiu sua inteligência em pessoas complicadas para mostrar que todo ser humano tem esperança. A história dele é um exemplo magnífico.

Ninguém espera uma reação inteligente de uma pessoa torturada, ainda mais pregada numa cruz. Jesus foi surpreendente quando estava livre, mas foi incomparavelmente mais surpreendente quando foi crucificado.

Na primeira hora da crucificação, ele abriu as janelas da inteligência e bradou: "Pai, perdoa-os, pois eles não sabem o que fazem." Perdoou homens indesculpáveis. Compreendeu atitudes incompreensíveis.

O Mestre dos Mestres abalou os alicerces da ciência ao levar as pessoas a viajarem pelo mundo dos sonhos enquanto todas as células morriam.

Agostinho, Francisco de Assis, Tomás de Aquino, Spinosa, Hegel, Abraham Lincoln, Martin Luther King e milhares de pessoas de diferentes religiões, inclusive não cristãos, foram influenciadas por ele. Ouviram a voz inaudível dos seus sonhos.

Maomé chamou Jesus de Sua Dignidade no Alcorão, exaltando-o mais do que a si mesmo. O Budismo, embora seja anterior a Cristo, incorporou seus principais ensinamentos. Sri Ramakrishna, um dos maiores líderes espirituais da Índia, confessou que foi profundamente influenciado pelos ensinamentos de Jesus. Gandhi também foi tocado por seus pensamentos.

O Mestre dos Mestres nunca pressionou ninguém a segui-lo, apenas convidava. Sua pequena comitiva se constituía de um grupo de apenas 12 jovens de personalidade difícil. Mas hoje, para nossa surpresa, bilhões de pessoas de todas as religiões, de todas as culturas, de todos os níveis intelectuais o seguem.

Seguem alguém que não conheceram. Seguem alguém que nunca viram. Seguem alguém que lhes inspirou emoção e encheu suas vidas de sonhos.

• Augusto Cury •

🐬 Jane Freitas Ribeiro

Honrar Jesus é compreender e incorporar o propósito de sua valiosa missão de vida, em nossa existência.  
Compreender a virtude de ser humano.