"O Simbolismo da Festa de Natal"
- Françoise Terseur
* Esta festa é uma reactualização de um culto tão antigo como o mundo. A sua finalidade é muito importante, pois é um ponto de encontro entre o visível e o invisível; um instante de pausa e reflexão que permite ao homem fixar-se no tempo e espaço, fazendo deste instante um elo entre o passado, o presente e o futuro.
As formas do culto podem modificar-se com as épocas, as civilizações, as religiões, mas a sua essência é permanente e revitaliza-se graças a uma nova fé canalizada numa nova religião. Tomando vários aspectos, mas perpetuando-se através dos tempos, a sua mensagem é eterna; a sua forma muda, mas o homem que a vive é o mesmo.
A Festa de Natal faz parte desses cultos tão velhos quanto a humanidade; embora cristã na sua interpretação religiosa, ela contém em si as mesmas raízes milenárias de tradição indo-europeia, das quais fazem parte elementos célticos, germânicos, greco-romanos, entre outros. Assim, do culto cristão podemos extrair raízes pagãs que, infelizmente, foram muito mal interpretadas durante a Idade Média.
“Esta festa é uma reactualização de um culto tão antigo como o mundo. A sua finalidade é muito importante, pois é um ponto de encontro entre o visível e o invisível”
O termo pagão, que deriva do latim “paganus”, significava um camponês ou campónio. Quando Teodósio triunfou sobre o politeísmo greco-romano, numerosas povoações continuaram ainda a praticar certos cultos. Recusando submeter-se à religião dominante, foram chamados de pagãos. Mais tarde, esse termo, quase injurioso, generalizou-se a todos os povos, fazendo de incultas e ignorantes todas as civilizações anteriores ao cristianismo, tais como a Pérsia, Egipto, China, Grécia… Podemos chamá-las politeístas, monoteístas, mitológicas, mas não é correcto designa-las de pagãs.
No ritual do Natal vamos descobrir que a cerimónia da árvore e do Pai Natal vem do Norte e dos Germanos. O Pai Natal representa o Pai do Universo, velho como o tempo, que incarna toda a inteligência. Os seus brinquedos são os arquétipos celestes, os princípios imortais que são o instrumento de base e de fundação da Criação (os primeiros modelos antigos ou formas que constituem este Universo). Assim, o Pai Natal representa o começo e o fim da manifestação; ele distribui aos homens os reflexos ou imagens desses princípios, simbolizados pelos brinquedos, esperando que o homem se liberte do reflexo e se eleve até à origem das coisas. Este Pai Natal é também sábio e omnipresente, pois distribui a cada um o que lhe é devido, segundo a sua natureza e os seus actos.
A árvore de Natal, eternamente verde, representa a árvore da vida que tem as suas raízes na terra, o seu vértice nas nuvens e o seu tronco como intermediário ou escada entre o visível e o invisível. Esta árvore de Natal que nos chega através dos Germanos – eles próprios a trouxeram do Oriente durante as suas migrações –, representa o universo. As bolas multicolores não são nada mais que as esferas planetárias, as estrelas e as constelações estelares. A estrela do vértice, a “estrela” Vénus, é o símbolo do homem que encontrou um ponto de reunião entre a harmonia exterior e a interior. Esta “estrela” Vénus anuncia o despertar do homem novo, o homem que renasce das suas dúvidas, dos seus receios e que se fixa no centro de si próprio a fim de transcender o perecível. Tal era a significação desta estrela mensageira que anuncia o aparecimento do Salvador: aquele que abrirá as trevas do Inverno ou da morte, para reconduzir a humanidade dispersa. É o amor do Divino pela humanidade, procurando reunir o Céu e a Terra ou o homem com o Deus interior.
O Presépio é um dos elementos mais completos desta festividade. A gruta em que esta esperança nova ou menino Jesus vai nascer, também representa a sombria caverna do nosso ser interior. A Luz nasce da obscuridade como o Sol renasce da noite. Ela representa a matriz, o berço primordial protegido pela palha, que simboliza o elemento seco que emerge das águas caóticas da concepção. A Virgem é a natureza pura, o receptáculo imaculado, Maria, Maia, Matriz. A raiz “M”, em sânscrito, significa as águas que preparam, que protegem, que alimentam e permitem que a evolução se faça. Se Maria é o elemento passivo, Aquela que recebe, José é o elemento activo. Ele será o divino carpinteiro, Aquele que fixará, com os seus pregos, as primeiras fundações desta existência divina pois, quando os ângulos estão fixos, produz-se uma fricção. É desta reunião e fricção que vai nascer a chama.
No presépio, a vaca representa o elemento construtor, positivo da obra divina. É a que sopra o bafo quente sobre o menino em sinal de protecção. O seu leite simboliza o conhecimento, o elemento que destrói a ignorância. O seu rugido (“Meu…”) é um som constante que permite a continuidade do Princípio ou da Essência: o elemento conservador. O burro está ligado ao planeta Saturno; Seth no Egipto, princípio de transformação. “Ih – Eh” são dois sons que simbolizam a dualidade: mundo das experiências, do tempo, dos ciclos, da transformação; é o aspecto destruidor, o que destrói o perecível, o temporal. O cordeiro simboliza a pureza, a inocência e os pastores são os condutores do rebanho terrestre que irão ser suplantados por um Pastor Celeste. Os reis magos simbolizam, num dos seus aspectos, as raças da humanidade que vêm servir este novo príncipe de uma humanidade melhor e mais espiritual.
O período de Natal é igualmente importante pelo facto de coincidir com o solstício de Inverno. É a morte física para o renascimento espiritual. A vitalidade da natureza está no seu ponto descendente, mas ela pode trabalhar no interior, preparando a Primavera no coração do Inverno. Veremos que, no Egipto, Horus nasceu em Dezembro; Mitra e Agni a 25 desse mês. Todos são Deuses do Fogo interior.
Este período de festa era também assinalado pelos povos celtas. No solstício de Inverno, os druidas ou sacerdotes dos rituais sagrados, dirigiam-se a uma colina alta com um ramo de “gui” na mão. Ao bater com estes ramos na palma da mão produziam um som que tinha o poder mágico de despertar a vida. O “gui” é uma planta que tem a propriedade de aquecer tudo aquilo em que toca. Este poder de suprimir o frio e a estagnação do Inverno provém da sua cor verde, símbolo da esperança e do crescimento, da sua robustez que exprime a força de vontade e dos seus espinhos que representam as provações da vida que vão fazer trabalhar a consciência. Os druidas, ao produzirem esse som mágico apelavam ao despertar interno, refazendo com esse gesto um pacto de aliança entre os ciclos do homem e da natureza.
O azevinho representa o caminho da evolução. O vermelho está ligado ao sacrifício (que significa sagrado ofício): dar qualquer coisa de si próprio a fim de adquirir algo de superior. Assim, podemos dizer que o azevinho é o aspecto activo, de transformação e o “gui” o aspecto passivo, de purificação interior.
Na América pré-colombiana celebrava-se, em determinadas épocas, a Festa do Fogo Novo, intercalada em vários ciclos e calendários (solar, agrícola, mágico, estelar). Esta celebração reproduzia-se sob diversas escalas. No seu ciclo curto, todos os anos, num período que correspondia, para nós, ao solstício de Inverno (7 acatl do calendário azteca) os povos abandonavam as suas cidades e dirigiam-se para um ponto alto da região. Celebrava-se, então, a festa menor do Fogo Novo.
Como grandes observadores que eram da natureza, tinham constatado que o sol, neste período, decresce em força e parece afastar-se da Terra. O astro solar lutava contra a força da inacção e de morte aparente, e o homem podia unir-se a esta luta velada recriando uma nova força, um novo fogo (no sentido de renovado). Assim, no silêncio da noite, o sacerdote atava dois ramos de madeira de natureza diferente (mole e duro) que produziam, por fricção, o fogo novo.
Para os povos meso-americanos, este Fogo Novo identificava-se com a serpente verde ou faísca divina da libertação. Esta chama simbolizava também o planeta Vénus, que representava Quetzalcoatl, o homem duplo, serpente-ave, aquele que reúne a dualidade e se transforma em mensageiro. Tal como Vénus, que anuncia o nascer do Sol. Quetzalcoatl anuncia uma nova era, a quinta era, a era do homem novo.
Nas tradições greco-romanas também se festejava o período compreendido entre fins de Dezembro e princípios de Janeiro sob o nome de Saturnais: IAO – SATURNALIS, tal era o grito de saudação a Saturno, senhor do tempo, da noite e do regresso à origem.
Em conclusão podemos dizer que foi nosso objectivo não só fazer uma pequena “viagem” à volta das diferentes formas de festejar o Natal, como também redescobrir o verdadeiro sentido desta festa. Recordemos que esta tem para o homem um papel regenerador, ou seja, dá-lhe a possibilidade de revitalizar e fortificar a sua natureza interna: reunir nele aquilo que de melhor tem dentro de si. De uma certa forma, ao participar nesta festividade, o homem poderá levar uma centelha a esta chama nova, a única capaz de fundir a neve e dissipar as trevas. E o milagre do Natal reside neste grão de esperança que dorme em cada um de nós. *
Sobre Françoise Terseur...
"Françoise Terseur nasceu em 1955 na cidade de Lyon, França. Estudou Pintura e especializou-se em História da Arte. É co-fundadora do movimento filosófica e humanista Nova Acrópole em Portugal, que se verificou em 1979. Desde esse ano tem realizado centenas de conferências e lecionado matérias do programa de formação da Nova Acrópole: Filosofia do Oriente e Ocidente; Ética Sociopolítica; Filosofia da História; Oratória; Simbologia, História da Filosofia Antiga, Medieval, Moderna; Psicologia Prática; Estética; Filosofia e História da Arte. É autora das obras “Os Druidas e a Tradição Celta”; “Lendas do Aqui e do Além”; “Templários”; “40 anos de Filosofia na Nova Acrópole”, e “O Poder da Deusa, Fontes Remotas dos Mistérios Marianos”, no qual aborda temáticas relacionadas com a Maternidade, os mistérios da Vida e o Simbolismo Universal da Mãe."
Prosperemos,
"O Simbolismo da Festa de Natal"
Saudações Fraternais,
Jane Freitas Ribeiro